O secretário de Reformas Econômicas do Ministério da Fazenda, Marcos Pinto, defende fortemente a mudança da tabela do Imposto de Renda e a taxação mínima dos super ricos por se tratar de uma medida de Justiça Tributária e que o Congresso entende a importância do tema.
Em entrevista exclusiva à CNN, o secretário também disse que o governo federal está disposto a conversar com prefeitos e governadores que estão preocupados com eventual redução da arrecadação pela medida. Marcos Pinto nega que os entes subnacionais serão prejudicados.
O secretário também nega que a mudança vá afastar investidores estrangeiros e multinacionais. Segundo ele, o Brasil está adotando medidas alinhadas às práticas sugeridas pela OCDE, e que a mesma condição é vista em outros países.
A seguir, a íntegra da entrevista concedida aos âncoras Gustavo Uribe e Tainá Falcão com a participação de Fernando Nakagawa, analista de economia da CNN.
Entrevista completa com Marcos Pinto
Gustavo Uribe: Partidos de centro e direita que já falam em desidratação, da possibilidade de mudança nas compensações para o aumento da faixa de isenção até R$ 5 mil. Há espaço na proposta para a diminuição do potencial das compensações ou não?
Secretário Marcos Pinto: A gente enviou o projeto, o ministro Fernando Haddad mesmo disse que é para iniciar a discussão. Sempre há espaço para o Congresso fazer aperfeiçoamentos, alterações e a gente não espera nada diferente. O que a gente gosta de ressaltar, que é muito importante, é que a gente está falando de uma medida de Justiça Tributária.
De um lado, a gente está isentando de Imposto de Renda 10 milhões de brasileiros que ganham menos de R$ 5 mil e, do outro lado, a gente está tributando com uma alíquota módica de até 10%, mínima, os mais ricos vão poder abater todo o imposto já pago. Essa medida vai atingir apenas 140 mil brasileiros que hoje pagam, em média, uma líquida efetiva de cerca de 2% a 3%.
Então, de um lado a gente está isentando o assalariado que paga 27,5% deduzido da folha de pagamento e tributando uma minoria de 140 mil pessoas que hoje paga muito pouco e vai pagar um pouco mais com essa medida. A gente acha que o Congresso vai estar sensível a esse pleito de Justiça da sociedade brasileira.
Tainá Falcão: A carga tributária sobre o setor empresarial já é considerada muito alta no país e já começamos a ouvir isso como argumento no bastidor do Congresso, que indicando o que será a resistência a esse projeto e onde ele pode ser modificado. Na sua avaliação, o aumento do imposto não poderia, por exemplo, desestimular as empresas estrangeiras a se instalarem no Brasil?
Secretário Marcos Pinto: Aqui, é importante a gente desmistificar essa noção de que a tributação sobre lucros no Brasil é muito alta. Sem dúvida nenhuma, a alíquota nominal do Imposto de Renda do Brasil, de 34%, é uma das maiores do mundo. Não há dúvida disso, e a gente não pode negar. Mas a realidade da cobrança do IR das pessoas jurídicas é muito diferente.
Na prática, as empresas pagam no Brasil uma alíquota bem menor porque existe uma série de benefícios, isenções, tratamentos fiscais mais favorecidos que fazem com que a alíquota média de uma empresa no lucro real no Brasil caia de 34% para 20%. Uma empresa do lucro presumido paga, na média, 11% e uma empresa do Simples paga, na verdade, 6%.
Isso faz com que a nossa tributação efetiva, não a nominal, a efetiva, esteja em linha com os países envolvidos. A nossa tributação efetiva não é maior do que se vê na Europa ou nos Estados Unidos.
E em todos esses países você tem tributação de dividendos, numa alíquota muito maior do que a do imposto mínimo que nós estamos propondo. A alíquota de tributação de dividendos nos Estados Unidos é de 20% e na Europa nessa média também. No Brasil, os dividendos continuam isentos, o que faz com que as pessoas mais ricas do país tenham esse tratamento tributário favorecido e paguem menos imposto, proporcionalmente, à renda do que os mais pobres.
Fernando Nakagawa: Um dos pontos que tem gerado bastante discussão entre tributaristas cita lucros e dividendos remetidos ao exterior com alíquota de 10%. Isso se aplica às pessoas físicas e também jurídicas? O ministro Haddad citou várias vezes um universo de 141 mil indivíduos, mas quantas empresas serão afetadas?
Secretário Marcos Pinto: A medida para o não-residente se aplica tanto para pessoas físicas quanto pessoas jurídicas. Houve uma preocupação no momento em que a medida foi lançada de alguns setores de que isso poderia inibir o investimento, seja das empresas estrangeiras, seja dos investidores institucionais na bolsa de valores brasileira. A gente não tem essa preocupação e não espera nenhuma redução no investimento estrangeiro no Brasil. E eu explico.
A primeira razão é a própria OCDE, a Organização dos Países de Cooperação para o Desenvolvimento Econômico. Ela recomenda que a tributação de dividendos no país de origem de 5% a 15%. Nós estamos tributando a 10%.
Portanto, bem na metade da recomendação da OCDE. A segunda a segunda razão pela qual a gente não prevê fuga de é que o dividendo é apenas uma parcela do ganho que o investidor estrangeiro tem no Brasil.
A maior parte do ganho está no ganho de capital, quando você compra uma ação na bolsa e vende por um valor maior. Esse ganho de capital continua isento para o estrangeiro. Não há alteração nisso.
Além disso, os juros sobre capital próprio perfazem a maior parte dos proventos que são distribuídos pelas empresas para os acionistas. E a tributação dos juros sobre capital próprio, que continua mais favorecida, não vai ser alterada.
Por fim, outro aspecto muito importante. A maioria dos países, seja os que têm tratado de tributação com o Brasil, seja os que não têm, preveem um desconto dos impostos pagos sobre dividendos no país de origem. Então, por exemplo, uma empresa americana vai poder abater, do imposto que ela paga nos Estados Unidos, o dividendo que paga na retenção aqui no Brasil.
Então, esse abatimento faz com que a gente, na verdade, esteja tributando aqui no país uma parte que não vai ser sentida pelas empresas porque elas vão poder abater isso no país de origem.
A maior prova de que a gente não vai ter impacto no investimento estrangeiro do Brasil foi a reação da Bolsa de Valores no dia do anúncio. Mais de 50% da propriedade acionária na Bolsa de Valores brasileira é de estrangeiros e, no dia do anúncio, a Bolsa subiu. A gente acha que é uma medida muito bem calibrada, que está em linha com as práticas internacionais e que, por isso, foi bem recebida pelos investidores.
Gustavo Uribe: Uma das grandes polêmicas dos líderes partidários é a questão da bitributação porque o Brasil tem acordo com alguns países, O governo brasileiro tem conversado com outras nações que não têm acordo de bitributação para evitar que essas empresas sejam penalizadas pagando impostos sobre lucros e dividendos aqui e no exterior?
Secretário Marcos Pinto: Fizemos um estudo sobre isso abrangendo os países que têm os maiores investimentos aqui no Brasil e chegamos à conclusão que a maioria dos países, a maioria esmagadora que investe no Brasil, ou está coberta por tratados ou já têm regras independentemente que permitem o crédito desses valores pagos aqui.
Tainá Falcão: Queria voltar um pouquinho, a gente falava sobre os dividendos. Esse é um ponto de resistência no Congresso Nacional. O senhor citou sobre os benefícios fiscais, a Fazenda já vislumbra uma alternativa diante dessas resistências que logo aparecem nos comentários feitos pelos parlamentares? É possível, por exemplo, a oposição secretário fala justamente no corte de benefícios fiscais hoje concedidos, aplicados a essas empresas, isso está no radar da Fazenda também?
Secretário Marcos Pinto: Isso sempre teve no radar da Fazenda, o ministro Haddad tem sempre ressaltado que é importante a gente fazer um controle de gasto efetivo na despesa, mas também tratar dos gastos tributários que reduzem a arrecadação.
Para isso, a gente precisa fazer uma análise da efetividade do gasto tributário. Mas não podemos sair cortando qualquer gasto tributário que tenha impacto na economia, que seja eficaz. A gente está muito aberto para fazer uma discussão com o Congresso sobre gastos tributários que não são eficazes e que podem ajudar nessa compensação.
Dito isso, a gente acha que uma das maiores distorções e injustiças do sistema tributário brasileiro é justamente essa que a gente está atacando. É uma distorção do sistema muito grande.
É muito injusto que um trabalhador assalariado pague 27,5% de imposto e que uma pessoa que tem uma renda de R$ 1 milhão por ano acabe tendo uma líquida efetiva de imposto de 2,5% ou 2,6% ao ano.
Há estudos, um excelente do IPEA, inclusive, que mostram que mesmo somando a tributação da pessoa jurídica com a da pessoa física de alguém que recebe dividendos ainda assim as que estão entre os 1% mais ricos do Brasil pagam menos imposto do que a maioria da população.
Fernando Nakagawa: Os números do Banco Central mostram que, no ano passado, empresas multinacionais instaladas no Brasil remeteram ao exterior US$ 29 bilhões em remessas de lucros e dividendos às sedes. Fazendo uma conta de grossa, aplicando-se uma alíquota 10% sobre este montante, daria US$ 2,9 bilhões ou R$ 16 bilhões pelo câmbio de hoje. Na apresentação do projeto, os senhores citaram R$ 8,9 bilhões na tributação de 10% na remessa de dividendos ao exterior. Por que há essa diferença? As multinacionais passarão a remeter menor volume de lucros e dividendos?
Secretário Marcos Pinto: As estatísticas do Banco Central, por vezes, incluem na estatística de dividendos o pagamento de juros sobre capital próprio. Os juros sobre capital próprio têm um tratamento tributário completamente diferente e que não vai ser alterado.
Além disso, os estudos da Receita antecipam a reação dos contribuintes à nova tributação. Então, contêm estimativas de eventuais reduções do pagamento de dividendos e outras formas de distribuição e saída de recursos no país. Então, sim, estimam uma redução nessas distribuições, o que é natural quando você altera regras tributárias.
Gustavo Uribe: O presidente Lula pediu a David Alcolumbre e a Hugo Mota que, na medida do possível, essa proposta seja aprovada para a sanção presidencial até julho, no primeiro semestre. Há algum prazo legal ou, pelo menos, alguma possibilidade para a Receita Federal se preparar para fazer essas mudanças para o ano que vem?
Secretário Marcos Pinto: O prazo legal para que qualquer mudança de tributação seja aprovada é o final do ano ou 31 de dezembro. É claro que a Receita precisa se preparar. Então, a gente precisaria de uns dois ou três meses antes do final do ano para que a Receita possa preparar todos os sistemas para fazer a cobrança sem complicação para o contribuinte.
Gustavo Uribe: Outubro, então?
Secretário Marcos Pinto: Acho que por aí, acho que por aí seria o ideal.
Tainá Falcão: Quero trazer também um pouco da reação dos municípios, a gente já começou a falar sobre a possibilidade da perda de receita pelas prefeituras, já que eles também têm parte da retenção do imposto de renda na folha dos servidores. Uma sugestão que está circulando entre os parlamentares já é de uma transferência direta de parte da verba da compensação para os entes federativos. É um caminho possível?
E que já emendar numa segunda pergunta: Existe uma cobrança para que o governo apresente mais projetos, o ministro Haddad já sinalizou algo nesse sentido, mas nada muito concreto até aqui. Existe uma impressão de que o governo joga a responsabilidade para o setor produtivo sempre com mais impostos. Vocês estão estudando novas propostas de reforma administrativa ou de corte nas despesas?
Secretário Marcos Pinto: Sobre essa questão do corte nas despesas, no Ministério da Fazenda é nossa função primordial analisar qualquer momento o gasto, a qualidade do gasto. E a gente enviou no passado um pacote com corte de gastos expressivos e que foi aprovado pela Câmara e pelo Senado em tempo recorde com grande apoio. E continuamos trabalhando nisso.
O Ministério da Fazenda não vai esmorecer na luta pelo equilíbrio fiscal, pela responsabilidade. Não há dúvida disso.
Tainá Falcão: Então, novos projetos virão ainda nesse ano?
Secretário Marcos Pinto: A gente precisa estudar isso com calma, entender as circunstâncias. Existe o Orçamento que está para ser aprovado. A gente precisa analisar o resultado do Orçamento. Eu não queria me adiantar nenhuma medida nesse sentido. Sobre os municípios, o que eu tenho a dizer é o seguinte: toda a receita do IR é repartida entre União, Estados e municípios.
Mais ou menos 50% ficam com a União e 50% ficam com Estados e municípios. O projeto prevê compensação total do que está sendo desonerado pelo imposto mínimo. Então, Estados e municípios vão ser totalmente compensados pela parcela que está sendo desonerada no bolo total.
Mas por que eu não quero negar que Estados e municípios têm uma perda? Essa perda se restringe à desoneração da própria folha deles. Pela Constituição, Estados e municípios têm direito de receber o imposto de renda que é aplicado sobre a folha dos seus servidores.
Essa é realmente um impacto da medida, mas esse impacto é um impacto menor e ele é uma própria decorrência da medida. A gente está beneficiando o servidor de Estados e municípios com a desoneração, e isso está causando indiretamente um impacto nas contas públicas.
Obviamente, o governo é sensível à situação de Estados e municípios e está aberto a discutir com eles alternativas para minorar esse impacto.
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