Professor de Economia na FAAP, Vinícius Rodrigues Vieira foi categórico ao afirmar, em entrevista ao WW, que o caminho que o presidente dos Estados Unidos Donald Trump tem adotado para orientar sua política econômica o levará a “abalar […] aquele que é ainda o principal pilar da força americana no mundo que é a força do dólar”.
A moeda norte-americana é usada como base nas negociações internacionais e como reserva pelos bancos centrais de todo o mundo. Enquanto isso, os títulos públicos dos EUA — os chamados Treasuries — são vistos como ativo de segurança, sendo adquiridos inclusive pelos governos dos países.
Desde que Trump voltou à Casa Branca e tem colocado em prática sua política comercial que isola os EUA do mundo, tanto o dólar quanto os Treasuries têm oscilado.
Economistas ouvidos pela CNN indicam que este seria um reflexo de o mundo estar perdendo a confiança nos EUA.
“Quem vai confiar em alguém que bate nos seus próprios aliados como Donald Trump está fazendo? Ninguém aceitaria esse tipo de tratamento e faz com que todos comecem a procurar alternativas. […] Essa ação e retórica fortalece outros blocos econômicos”, pontua José Kobori, professor de finanças e sócio da JK Global Partners.
Assim, Kobori concorda que a postura de Trump “mexer com a hegemonia do dólar, mexe”, mas reforça que “ela não vai cair da noite para o dia”.
Força do dólar
O dólar é a moeda padrão para os negócios internacionais, o que dá aos EUA graus de liberdade fiscal e em contas externas.
Em 1944, a Conferência Monetária e Financeira das Nações Unidas, sediada em Bretton Woods, New Hampshire, nos Estados Unidos, deu origem a um sistema financeiro internacional que colocou o dólar em posição prioritária e privilegiada para as transações internacionais.
“O sistema é intrincado, o sistema que os Estados Unidos criaram no mundo desde o pós-Segunda Guerra [Mundial]. É um sistema que colocou o dólar como hegemônico e que os financiou”, pontua Kobori.
Os Acordos de Bretton Woods acabaram por gerar o Fundo Monetário Internacional (FMI) e o Banco Internacional para Reconstrução e Desenvolvimento (BIRD), o embrião do Banco Mundial.
Tony Volpon, ex-diretor do Banco Central (BC) para Assuntos Internacionais, professor-adjunto na Universidade de Georgetown e colunista do CNN Money nota que os EUA, como emissores do dólar, conseguem financiar um forte consumo, bancar grandes níveis de dívida e pautar o comércio com seus parceiros.
“O euro é relevante, mas não tem o mesmo poder que o dólar norte-americano. É uma zona econômica por ter uma moeda única, mas na questão fiscal, por não ter uma dívida centralizada, não tem a mesma força que os Estados Unidos como país”, avalia o ex-BC.
Os títulos do Tesouro norte-americano funcionam como um termômetro da confiança na economia dos EUA. Ao comprar os Treasuries, o investidor está efetivamente emprestando dinheiro ao país. O valor então é pago em dólares, com rendimentos, ao longo de um determinado período de tempo. Pela robustez da economia norte-americana, seus títulos de dívida são vistos como confiáveis e seguros, de modo a garantir a remuneração.
Abalo na confiança
No dia 2 de abril, Trump anunciou uma extensa lista de tarifas “recíprocas” aos parceiros comerciais dos EUA. Nos dias que seguiram, o rendimento dos Treasuries subiu, ou seja, os EUA precisariam pagar mais para atrair o investidor a comprar seus títulos.
Muitos dos detentores desses títulos estavam abrindo mão de suas posições.
“A liquidação de títulos americanos é pelo desequilíbrio de um sistema que depende de estabilidade. Quando entra numa forte instabilidade, como foi agora depois do ‘Liberation Day’, ele gerou uma série de prejuízos em uma série de operações”, explica Kobori.
“Essa percepção de risco, de estar sempre preso ao dólar e aos títulos do Tesouro americano, cresceu muito”, pontua.
O movimento também se refletiu na divisa norte-americana, que também tem perdido valor.
“Essa postura aumenta incerteza, aumenta risco e prejudica a confiança que os Estados Unidos têm perante o mundo. Isso gera um cenário de maior volatilidade e o dólar perde valor num cenário assim“, avalia Joelson Sampaio, professor de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV).
Hegemonia lôngeva
A conclusão dos economistas ouvidos pela CNN, porém, é de que ainda é muito cedo para falar em uma perda de hegemonia por parte do dólar.
“É bem remoto ainda, é cedo para dizer que tem esse risco, tem muito o que acontecer para chegar lá”, pondera Sampaio, indicando que a postura de Trump ainda não é drástica o suficiente para acabar com a força da moeda dos EUA.
Ele ressalta que a economia norte-americana tem um histórico de robustez, além de apontar para uma “convergência histórica” do sistema financeiro internacional em torno do dólar.
E apesar de a divisa ter perdido valor, Paulo Gala, economista-chefe do Banco Master, ressalta que há uma grande diferença entre o peso do dólar e o de qualquer outra moeda para que ele seja substituído.
“O iene [do Japão] e o euro são os candidatos a vir depois do dólar, mas a distância do dólar é muito grande. E o yuan [da China] está muito longe disso por conta do problema da não conversibilidade. Então, a gente vai conviver por muito tempo ainda com a hegemonia do dólar por um mal motivo, não por um bom motivo, porque não tem moeda alternativa”, conclui Gala.
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