Impulsionada por fintechs e novas tecnologias, a inovação financeira caminha a passos largos no Brasil.
Se antes o sistema financeiro era sinônimo de concentração de poder e hegemonia na distribuição de produtos e serviços, a descentralização e o aparecimento de novos representantes exibe, a cada dia, uma nova configuração que se instala no país.
Essa inovação, em curso há pelo menos duas décadas, reconfigura a estruturação do sistema financeiro e de pagamentos do Brasil.
Capitaneada pelo Banco Central (BC), a transformação resulta em uma série de normativas e reformas que favorecem a implementação de novos modelos de negócio e o surgimento massivo de pequenas empresas dispostas a brigar por espaço — e pela atenção dos consumidores.
Prova disso está na popularização das alianças entre grandes instituições financeiras e startups do setor, as chamadas fintechs.
Juntos, bancos e fintechs expandem seus portfólios, e, em parceria, lançam ao mercado soluções que têm cooperado para a criação e popularização de novos modelos de crédito e serviços financeiros no país.
A busca é por diferenciais competitivos, avalia Alexandre Uehara, especialista em inovação financeira, tecnologia e fintechs e ex-membro da Federação Brasileira de Bancos (Febraban).
“No passado, o surgimento dessas empresas era visto como uma ameaça. Hoje, é uma oportunidade e existe uma percepção mútua dos benefícios para ambos os lados”, diz.
No Inter, plataforma financeira e primeiro banco a migrar para a nuvem, ainda em 2016, a inovação no sistema financeiro virou assunto de ordem.
Por lá, uma área exclusiva se dedica à pesquisa e desenvolvimento de novas soluções com potencial de impactar o futuro do mercado no país.
Criada no embalo do lançamento do Pix, em 2020, a área embasa os novos lançamentos do banco. Entre elas está o Drex, moeda digital proposta pelo Banco Central e que tem levado instituições a repensar a tokenização de ativos no curto prazo.
Para além do papel de executor, com testes e casos de uso, o banco também tem buscado colaborar de forma ativa com o desenvolvimento da tecnologia, afirma Bruno Grossi, gerente de Tecnologias Emergentes no Inter — e líder do projeto Drex na companhia.
“Nosso papel aqui é buscar novas tecnologias que vão impactar o mercado financeiro nos próximos cinco a dez anos”, diz.
Acelerar essa curva de aprendizado e adoção depende, em boa medida, da estruturação de parcerias.
Pensando nisso, o banco se uniu à Universidade de São Paulo (USP), Fundação Getulio Vargas (FGV) e Microsoft, em 2024, nos estudos sobre a aplicação de criptografia pós-quântica ao Drex, tipo de proteção resistente também a ataques na computação quântica, campo considerado a nova fronteira da ciência computacional.
De olho na lista de tecnologias que vão impactar o mercado financeiro no futuro, o Inter já mira em temas como blockchain, inteligência artificial (IA) e computação quântica.
“A própria IA é algo difuso aqui no Inter. Muitas áreas já se apropriaram dela, antes mesmo de ter virado moda”, diz Grossi.
Segundo ele, o departamento está dedicado a encontrar maneiras de utilizar a IA generativa de forma avançada, e que não esteja “sendo usada por outros bancos”.
Além dos estudos de caso, o Inter também tem apostado na aproximação com startups para encurtar a jornada rumo ao avanço tecnológico. O banco tem parceria contínua com o Orbi Conecta, hub de aceleração de startups, e assim se conecta a pequenas empresas e fintechs de todo o Brasil.
No caso do Drex, as alianças também extrapolam os limites nacionais. O Inter aliou-se à startup americana Chainlink, que desenvolve uma plataforma descentralizada para operações financeiras.
O intuito é conectar transações nacionais a uma rede descentralizada lastreada em blockchain. Um projeto piloto está sendo testado para a venda de commodities nacionais.
A PagBrasil, empresa brasileira de pagamento digitais e tecnologia, também olha para fora ao buscar parceiros que possam cooperar para que o país seja pioneiro em inovação no mercado financeiro, e para isso, tem apostado na exportação de um diferencial brasileiro nesta frente: o Pix.
A empresa tem parceria com instituições financeiras de outros países dispostas a processar pagamentos em Pix para usuários que estejam de passagem pelo Brasil.
A tecnologia, chamada de Pix internacional (ou Pix Roaming) permite que turistas e estrangeiros que possuam contas em bancos gringos possam adaptar a tecnologia brasileira de pagamentos instantâneos.
Até o momento, a PagBrasil se integra aos europeus Wipay, Eupago e Paybyrd e também a instituições como Bancard, do Paraguai; Plexo, no Uruguai, e B89 e Ligo, no Peru.
Segundo Ralf Germer, co-CEO da PagBrasil, a associação com grandes instituições financeiras traz vantagens competitivas para os dois lados.
“Nenhuma instituição consegue olhar para todos os setores para entregar inovação com excelência. Não é algo que se desenvolve do dia para a noite, é algo contínuo e as fintechs e empresas de tecnologia podem ajudar”, diz.
“Não somos concorrentes dos bancos. Somos um aliado com tecnologia em áreas em que eles não conseguem atender.”
A PagBrasil também é responsável por processar os pagamentos em Pix para os bancos Bradesco, Itaú e BTG Pactual na Shopify, uma das maiores plataformas de e-commerce do mundo, o que endossa o discurso de que grandes players também precisam se apropriar de tecnologias oriundas de parceiros de menor porte para enriquecer seu cardápio de produtos e serviços.
“É uma relação de ganha-ganha”, avalia Uehara. Para ele, se de um lado as grandes empresas entendem que precisam de atalhos para inovar e superar certas burocracias, de outro, as fintechs se apropriam dessas alianças para driblar barreiras comuns a empresas pequenas, como conquista de novos clientes e a entrada no mercado.
Por outro lado, essas alianças são uma maneira de ser mais assertivo no atendimento qualitativo, algo pouco comum a grandes bancos, que estão focados em volume e quantidade, complementa Alex Hoffmann, co-CEO da PagBrasil.
O que vem pela frente
Em tom uníssono, os especialistas concordam que a inovação no sistema financeiro no país continuará tendo como ponto de partida a evolução de tendências já em curso, como a inteligência artificial, a tokenização de ativos e, em uma perspectiva futura, o avanço do Open Finance.
No que diz respeito à IA, o foco estará no amadurecimento regulatório e no uso da tecnologia para personificar a jornada do cliente.
“A personalização na oferta de produtos e serviços é o que trará um diferencial para bancos e fintechs. Trata-se de oferecer uma experiência personalizada, mas com escala”, diz Uehara.
No Inter, a tecnologia tem sido usada por diversos setores, com foco em ganho de produtividade.
“Acreditamos que nos próximos cinco anos, assim como a computação quântica, esse será um tema prioritário para a indústria”, diz Grossi.
Já em relação às parcerias entre instituições, Uehara destaca que há a probabilidade de que alianças sejam estendidas para além das limitações do mercado financeiro, conectando empresas de diferentes indústrias.
“Pense em uma empresa do varejo se unindo a um grande banco. Ou um grande banco se tornando parceiro de uma empresa de energia que busca inovação. São contribuições que podem, inclusive, extrapolar a indústria financeira, o que enriquece ainda mais o potencial de inovação”, diz.
Texto de Maria Clara Dias
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